quinta-feira, 15 de junho de 2017

tantos eus

hoje não teve "bom dia" aqui em casa, eu acordei sob as pérolas da família tradicional católica brasileira. uma tia minha mora na região metropolitana e adoeceu ontem. como se a saúde na capital fosse lá tanta coisa de diferente ela veio pra cá, chegou antes da novela das oito.

da quinta eu cheguei tarde e cansado, praticamente só jantei e me tranquei no quarto, mal falei com a tia que (pasmem) também é minha madrinha de crisma. daí, meu café da manhã dessa sexta foi a pergunta recheada com quatro pedras da minha mãe: "por que você não pediu a bênção?".

é verdade, eu sou crismado, em algum momento da minha vida e com a cabeça em algum lugar eu confirmei meu batismo no catolicismo. mas há um bom tempo eu percebi que tudo em que eu me torno todo dia tá bem longe de todos esses ideais.

engoli meu café e nada respondi. ela continuou, indagando o que era mais importante de se ouvir do que um "deus te abençoe". não satisfeita ela terminou com essa: "não sei pra que tu estuda!".

eu não aguentei e finalmente provei que não tinha perdido a língua, afinal eu estudo numa universidade e não numa igreja.

é claro que ela ficou "p" da vida, e vomitou um monte de baboseira, daquelas que eu não aguento mais ouvir.

por tudo isso, às vezes, eu me pego chorando porque não sei se minha mãe me ama pelo que eu sou ou pelo que ela espera que eu seja. aliás, anteontem mesmo ela me mandou tirar essa foto com batom do meu perfil.
pouca energia ruim é bobagem
pra jogar mais lenha no fogo do estresse, porque pouca energia ruim é bobagem, uma vizinha que é travesti tá internada em estado grave por causa de uma gripe mal curada. minha mãe, que muitas vezes a tratou de "bicha" e "viado", agora é membro de um grupo no whastApp onde belas senhoras religiosas se preparam para uma roda de oração pela enferma.

reclamei de novo, porque eu sei que as "ave marias" pronunciadas ali não serão verdadeiras, nem vão trazer a saúde dela de volta. quantas delas não já devem estar espalhando por aí que se trata de aids?

gritos, tremores e lágrimas à parte, tem muita coisa que eu espero não sair da cabeça da minha mãe. por exemplo que eu escolhi uma profissão pra ajudar na construção de um mundo mais justo. por exemplo que eu sou professor de redação num projeto voluntário. por exemplo que eu já denunciei uma vizinha porque ela espancava o filho pequeno. e mais: que nada disso eu fiz por reconhecimento dela, mas porque ou eu fazia, ou não dormia à noite (e não, não me disseram pra fazer na igreja).

tem tantos eus que ela não conhece ainda. e nem quer conhecer, por isso temo que acabe sabendo de maneiras chulas. Aí eu choro mais ainda.
é duro demais estar nesse processo de autoconhecimento, de redescoberta do eu, porque você se aproxima de si mas se distancia do que sempre foi, o que te dá um prazer inigualável seguido de uma dor imensa.

é difícil ter orgulho do que o espelho reflete, sem apoio e com pouca ou nenhuma compreensão de quem você mais espera. ainda assim eu acho que tenho.

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