quinta-feira, 15 de junho de 2017

cá comigo: é mesmo

hoje eu vi um dos meus ídolos no jornalismo, pertinho de mim, como gente que é, como as que ela gosta tanto de falar. 

ou melhor, ídola, porque de masculino ela não tem nada, é perfeita demais pra isso. 

daí ela falou um monte. que inclusive a gente parece que ofende as pessoas quando faz texto grande. e eu fiquei cá comigo: é mesmo. 

consegui um autógrafo, um sorriso, e um aperto de mãos. sem falar nas fotos, que já estão no Instagram. 

perdi a hora e quase viro asfalto na Washington Soares. um senhorzinho, sem dentes e sem pretensões, me falou que meu ônibus não passava mais "a essa hora". 

um casal, simpático e cansado, me abençoou e me deixou com deus quando eu fui a única pessoa a ficar na parada. "a gente vai chegar só pra dormir, acordar de novo e voltar pro trabalho. mas o próximo ônibus é o teu, fé!", disseram correndo pro António Bezerra-papicu. 

quis chorar, mas minhas lágrimas não se mostram tão rápido. me desesperei pros amigos no WhatsApp e depois percebi: pede logo um uber e guarda esse celular. 

foi o que eu fiz. ele chegou em 3 minutos e deu um boa noite brasiliense, me contou que prefere Fortaleza à cidade planejada e que tá querendo formar uma família, mas a namorada tava com raiva.
dei graças a Deus por estar ouvindo os sonhos de um migrante, ao invés de os gritos da minha mãe pelo celular (que ainda não tinha tocado). 

cheguei e tô fazendo miojo. e esse texto. porque a Eliane Brum disse que escrever não tinha que ser muito, nem pouco, tinha que ser o possível. 

e olha que ela nem respondeu à minha pergunta, mesmo lida pelo mediador.

a gentalha

eu enchi um copo de iorgute (ou iogurte?) com cereal e com muita vontade. na barriga e no olho. 
foi tão voraz que caiu uma bolinha do nescau cereal no chão. meu ímpeto de humano egoísta quis apanhar antes que meu quarto fosse invadido por formigas. 

mas eu não apanhei, me ocupei melhor pensando: o quão superiores nós - ainda - achamos que somos? 

por que é que uma simples formiga não pode dividir um piso de cerâmica comigo? tudo bem que até a temida barata perde pra esse inseto de poucos milímetros no quesito sujeira, mas o banho de meia hora do qual eu saí me faz mais limpo? porque não tem como limpar a cabeça, nem passar um sabonete líquido nos neurônios, nem eliminar as energias de um dia cansativo como se fossem bactérias que eu trouxe da rua. 

a gente é sujo. sujo e egoísta. a gente é a mistura da sujeira do chaves com o egoísmo do quico.
(e as pobres das formigas não têm porque serem a gentalha).

só o mi

uma mulher caminhava a, mais ou menos, 1 metro e meio na minha frente, quando encontrou uma cédula de $2 no chão. com a bolsa que, aparentemente, custava mais que tudo que eu tô usando, abaixou-se e apanhou a tartaruga marinha.

literalmente impactada, ela disse a um homem que, parado, fumava um cigarrinho pós-almoço, "o que é que eu faço com isso?". ele deu uma gargalhada entre tragos e aconselhou a madame a ficar com o dinheiro. se é que aquilo era dinheiro pra ela.

eu não coube na situação, nem me meti. mas teria dito, "mulher, lá na cantina da UFC tem um pedaço de bolo 'só o mi' por esse preço, ó".

ponto

eu acho que no jornalismo não existe ponto final. é como se nada terminasse nesse universo. cada ponto é onde, na verdade, começa a trajetória de um texto. a gente se apega aos nossos escritos de besta, porque depois do “fechamento” ele foge pela janela dos bloquinhos e ganha os mundos. jornalista vive parindo. e se desapegando.

por que é que eu não escapei

semana passada eu tive uma experiência nada, NADA legal na faculdade. isso desencadeou uma mistura de sentimentos estranhos em mim. eu, que sou otimista.

ontem, almoçando sozinho no plantão do estágio, lembrei de ter lido uma vez que para cada formado em contábeis, há 40 empresas contratando. pensei comigo mesmo, "deus, por que é que eu não segui a família e fui fazer contabilidade?"

lembrei também de ouvir todo dia da minha própria consciência: "onde é que eu vou trabalhar?", "quanto é que eu vou ganhar?", "eu vou conseguir sustentar a mim, e a minha mãe?". por que é que a contradição da família tinha que ter sido logo eu?

agora, em casa depois de ter saído há 14 horas, eu tô mega cansado e ainda com texto pra ler da aula de amanhã. e lembrando de planos que eu tinha, e pensando em coisas que eu faria (se não chegasse o fim de semana e eu só quisesse dormir...)

por que é que eu não escapei de descer ao mundo no país mais ansioso da América Latina?

às vezes tenho pra mim que minha relação com a vida adulta é abusiva: tenho dado muito de mim, e pouco recebido. e olha que eu nem cobro tanto.

tão simbólica

um enorme bocejo é despejado por um chefe, arrastado por um “dormi tão tarde ontem, depois do jogo”. o “superior” ainda pergunta ao “inferior” ao seu lado no banheiro, se ele assistira à partida. “vi nada, ontem eu não vi nem a novela terminar”.

a conversa foi breve, não permitindo nem mesmo olhos nos olhos. as palavras foram trocadas enquanto os dois encaravam a própria face no espelho e lavavam as mãos.

eis talvez a mais básica das diferenças entre patrão e empregado, tão pequena, mas tão simbólica: duas horas de diferença no sono que impedem um de saber o que se passa no enredo da Glória Perez.
a chegada da sexta-feira e a prova de que deus existe são a mesma coisa

cócegas

a (minha prima de 10 anos) yasmin usa colete cervical. hoje quando minha tia chegou ela disse: "mãe, sabia que meu colete é à prova de... cócegas?". rimos.

descobri depois que cócegas não serão engraçadas se fizermos em estranhos (eles não irão rir), que tem gente que sente prazer sexual com cócegas e que cócegas em cardíacos pode até matar.

já imaginaram se tudo de pior que nós tivéssemos para oferecer um ao outro fossem... cócegas?

basta praticar

abraçar é a coisa mais gostosa desse mundinho, de fato. mas nem sempre é fácil pra mim. tipo brigadeiro: dou maior valor a uma colher, mas não como todo dia.

eu nunca fui aquela pessoa que chega num ambiente e dá um bom dia, boa tarde, e uns beijinhos em todo mundo que estiver presente.

a gente é uma mistura do que a gente quer viver com o que a gente já viveu (e o passado nem sempre é bonito).

e é aí que aquele joãozinho de poucos anos de idade, super hostilizado por ter "voz de baitola", por "deslocar muito a mão", por andar "feito menina", entra no meu hoje.

o joão de 2017 (na verdade o de sempre) tem um baita complexo de inferioridade. esse sentimento marca quem tem, e é o que faz pensar que a gente é sempre menor, mas feio, menos interessante que alguém. faz a gente quase não "se colocar", por vergonha, por medo.

é quase como ter medo mesmo das pessoas ao redor. medo dos olhares, dos dedos indicadores. é literalmente, como no meu caso, entrar por caminhos mais fáceis pra ser menos visto (faço isso na redação, todo dia).

eu sei, de cor e salteado, que cada um é cada um, que ninguém é maior que ninguém em nenhuma instância, e que a gente é especial da nossa forma. mas aquelas cenas de uns 10 anos atrás, onde "Patrick do Zorra Total" era meu apelido na escola, não vão sair da mente jamais.

eu já sofri muito porque queria ser mais parecido com a maioria, porque queria poder falar de futebol com os "colegas" da turma, porque queria dizer pra minha mãe que tinha muitos amiguinhos. mas eu não conseguia.

(esse último parágrafo não está numa época muito distante)

parece que eu to me vitimizando há algumas palavras, mas quem traz no peito a dor de alguma opressão sabe. quem demorou muito pra se impor na vida sabe. quem levou um tempo pra se mostrar/pra ser quem se é, sabe.

e quando eu passei a me amar vieram os outros problemas: que menino chato; nojento; esnobe; se acha. como a gente julga, como a gente fala. já pensou? deus dá asas aos pensamentos tóxicos alheios mas dá também às letras, que é pra gente se explicar.

então peço desculpas. diretamente a todo mundo que me atura dia a dia. a quem aguenta a minha chegada abusada eventual. a quem precisa entender, bem no fundo, que eu amo de outras formas. as formas que eu contemplo no meu mundinho.

no mais, eu acho que a gente abraça com os olhos, com o ouvir, com o partilhar. a gente se abraça por telepatia. energia boa não vai embora tão fácil.

vamos só entender um ao outro, receber o que cada um tem pra dar, não importa como seja, porque a gente não dá as mãos da mesma forma, nunca. trata-se de empatia. e é que nem andar de bicicleta: basta praticar.

constatações de um domingo à noite

com as semanas corridas que eu tenho depois que cheguei nessa tal "vida adulta", é raro eu ter um momento com a minha mãe. daqueles em que a gente só rompe o silêncio pra falar besteira, fofocar ou contar alguma coisa da segunda passada esquecida por uma rotina tão cheia.

a gente se senta na sala, e daqui a pouco estamos os dois deitados, um em cada sofá. ela me mostra um vídeo em que as vítimas da chacina de ontem no Porto das Dunas aparecem festejando na mansão, e lê um comentário que diz "agora eles ostentam no inferno". eu explico o quanto essa "afirmação" ou desejo é podre. ela liga?

pego o controle da TV e zapeio, vendo uns pedaços de cada programa. um bocadinho de vai que cola aqui, um pedacinho do exorcismo de emily rose ali, mas ela pede mesmo a record ou o Faustão. fazer o que?

daí o domingão desse bestão traz um quadro em que artistas da emissora homenageiam cantores consagrados. nele, a Emanuelle Araújo faz black face pra interpretar a Donna Summer. a produção não podia convidar uma atriz negra...

nele também o Nelson Freitas fez a Tina Turner, e resolveu militar, após a apresentação. disse que toda vez que um homem se veste de mulher, ele percebe o quanto elas sofrem: "elas ainda recebem menos pra fazer o mesmo trabalho. elas deveriam receber mais, porque precisam fazer cabelo, maquiagem, e fazer o bigodinho do Hittler", cagou pela boca. acho que não é por isso, Nelson.

daí eu percebo que a gente tá apenas dividindo o mesmo espaço, e a internet (cada um com seu celular). e que eu não posso dizer, por exemplo, "tô namorando, mãe". tristes constatações de um domingo à noite.

espero somente que a noite passe devagar, que é pra segunda quase não chegar. espero que não amanheça chovendo, que chegar molhado e atrasado não é bom. mas espero mesmo que, se a chuva insistir em aparecer, não ocupe 100% do céu, e possa dividi-lo com um restinho do sol.

é que semana passada, numa dessas ocasiões, eu pude ver um arco-íris. acho que deus não havia se decidido entre um ou outro, e imaginei ele dizendo, "enquanto eu escolho, fiquem com essa bela vista de sete cores, meus filhos".

de todo, e não de um pedaço

hoje eu fiz uma coisa - todo me tremendo - e recebi em troca a reação que eu mais temia, justamente porque eu passei um tempo temendo. e não há tempo que seja pra temer, eu acho.

aí eu fiquei o resto do dia inteirinho pensando "puta merda, eu me ferrei!", não conseguindo pensar em outra coisa e pensando "droga, me lasquei", não conseguindo focar em outra coisa e.

bem depois de um tempo, matutando comigo, imaginando as piores situações que agir como eu agi poderia ter me levado, eu concluí: eu fiz assim porque quis fazer bem feito, porque não sabia qual seria a melhor fórmula, como se a vida fosse um enigma da matemática.

eu fiz assim porque eu não fiz racionalmente, na hora em que bateu a vontade. eu fiz assim porque idealizei, sei lá, porque assim ninguém teria problema. é que eu penso muito no Outro, e por pensar muito no Outro, eu penso muito, e aí parece que eu penso muito em mim.

o Outro é o único que merece início com letra maiúscula nesse texto, que é pra gramaticalmente eu mostrar a importância que dou a ele.

(é que por outros métodos me parece sempre tão difícil mostrar qualquer coisa).

se eu tiver errado, foi um erro premeditado direto do lado esquerdo do peito, que quer mandar em tudo que eu penso, em tudo que eu faço. foi mal. foi mal de todo, e não de um pedaço, coração.

lesado ou o primeiro?

eu vinha pra casa, já tava esperando o bus na parada do benfica. deus sabe, eu adoro perceber. meu vicio é perceber todas as coisas, das menores possíveis.

então, na minha frente vinha um casal. de tão felizes, eu queria sair de perto. eles se abraçavam tão fortemente que pareciam nunca querer soltar um ao outro. o beijo era caloroso e um par falava ao outro baixinho, como quem protege os ouvidos.

de repente, algo soa um pouco mais "ouvivel", e pude notar a pergunta que o cara fez pra garota:
"qual teu ônibus mesmo?"

pensei nisso na minha viagem em diante, sem saber se ele era só lesado, ou se aquele era o primeiro encontro dos dois.


sei não, mas se foi de primeira, pense num chamego danado. aquilo ali não era só química, era biologia, história, matemática, redação... era o próprio ENEM, só que sem preparação.

se acabar de tristeza por aí

ontem na disciplina de jornal impresso o professor falou que no lead - primeiro parágrafo da notícia, não se usa porquês. acho que é assim no jornalismo e na vida. e cheguei a essa conclusão pensando no tanto de coisa que eu já tive, e que inexplicavelmente, não tenho mais.

nm sei se "ter" é o melhor verbo a se usar aqui, já que escrevo também sobre pessoas. a gente vive conquistando alegrias, e parece que perde outras, simultaneamente.

voltando pra casa pensava concentrado, na famigerada janela do ônibus, em dois dos meus melhores amigos, que não me procuram mais. eu não sei mais tanto de suas vidas, não os ouço há um bom tempo, porque eles não mais falam.

o celular, que tocava no aleatório, me obrigou a ouvir "Grand'Hotel", do Kid Abelha. a canção, que fala de desentendimento, traz um trecho que me pesou um monte: "qual o segredo da felicidade, será preciso ficar só pra se viver?".

só não chorei por ter me segurado ao máximo, não queria um mico perante umas dezenas de olhares desconhecidos. não sei se sou uma péssima companhia, às vezes penso que não. mas curiosamente foi essa a conclusão a que cheguei. quis chorar de novo.

(inclusive acho péssimo que hoje em dia não seja mais permitido se acabar de tristeza por aí).

no chuveiro, misturei a água caída com lágrimas e agora tento abafá-las sob o capítulo da nova série da globo. é preciso deixar os momentos ruins passarem, viver eles sim, mas deixar que fujam, que escapulam. porque eu prefiro os bons, os que me fazem lembrar de que é preciso celebrar todo dia a vitória que é continuar vivendo.

é só mais um textão insuportável de um canceriano que sente muito, mas que pelo menos sente. e que no fundo ama saber que escolheu o curso certo, quando nele lhe é jogada a nada leve missão de refletir.


(e psiu, vocês dois, ainda os amo, e essa é das coisas que não mudam).

dizem os astros

do jeito que criança corre do "babau", a gente, enquanto adulto, tem uma ruma de medo. acho que um dos mais característicos é o do desconhecido.

de vez em quando a gente resiste a alguma coisa nova, mas ao mesmo tempo temos pavor da ignorância e de não saber do que todo mundo ao redor tá falando.

foi mais ou menos por esse ultimo que eu comecei a pesquisar sobre astrologia, há uns, sei lá, 3 anos. descobri tanto sobre mim, que passei a acreditar piamente e não entender quem não gostava.

até então só sabia mesmo do sol, que estava aos 27° de câncer quando eu cheguei no mundo. o decanato é o 3° e quem me conhece sabe (e sofre). sou conservador, na maioria do tempo (isso não tem a ver com política pelo amor de deus), além de rancoroso, chato, manipulador, caseiro, emocional de mais, o caralho a quatro.

ao ir sabendo mais, cheguei à tal ascendência em escorpião, que me faz causar reações muito fortes nas pessoas. normalmente elas se sentem intimidadas com a minha presença e isso justifica eu ser amado por uns e odiado por outros. aqui, o lado ruim tá voltado pra possessividade, ressentimento e ciúme (mais uma vez, quem convive comigo sente na pele).

mas nem tudo que eu ia vendo sobre mim era pessimismo, né? a lua em touro me mostrou o quão posso ser confiável, carinhoso, fixo (dessas coisas que parece que, hoje em dia, a gente esqueceu o valor que tem).

tenho ainda mercúrio em câncer (de novo), marte em virgem, júpiter em sagitário, saturno em peixes, meio do céu em leão e vênus em câncer (DE NOVO!). aliás, esse último é o mais curioso e do qual eu queria falar mesmo.

é curioso, mas acreditar muito numa coisa não pode fazer a gente excluir outras; se voltar muito pra um aspecto da vida, não pode ofuscar outros. e entrar de vez na astrologia, por vezes, nos faz deixar pra lá nossas vivências, as coisas pelas quais passamos, de maneira fácil ou não.

pois sim, já chorei muito nessa vida. já quis muito quem não devia, quem não podia, quem não (reciprocamente) queria. e isso não me machucou como ralar o joelho na areia, não sarou com uns dias nem com merthiolate. e mesmo quando sarava, quando eu superava, mesmo assim algumas vezes se repetia, porque eu manifestava um padrão de gente trouxa, de gente besta mesmo, que fazia de tudo pra ficar por baixo (inconscientemente, é claro).

quando eu quebrei esse padrão, quando eu escolhi sair dele, nunca mais fui vítima, nunca mais permiti que ninguém fizesse meus sentimentos de peteca.

é aqui que a vênus em câncer entra, é aqui que eu queria chegar, mas escrever é tão difícil... enfim, eu não sou assim, pegajoso, apegado, bobo, piega, daqueles que cansam. eu perdi isso, no meio desses tropeços do amor, e eu não sei se vou recuperar, um dia. se sim, talvez com muito trabalho e segurança. aproveito até pra dizer aos crushs: acordem, que eu num fico muito tempo adulando não, viu?

e, olha, não vai ser qualquer um que vai aguentar. mas é como eu vivo dizendo, a gente, que é sensível demais, tem que se sentir especial e muito. a gente rompe com essa besteira de fingir que não se importa. tendo o cuidado de não exagerar, que quando a gente desiste, já era...

por isso, por esse rompimento e cuidado, parece que há sempre uma luta dentro de mim, algo me lembrando de quem eu sou e me ajudando a ir, a voltar. inclusive percebo agora o quanto me abri nesse texto, o que nem importa muito visto que pouquíssimas pessoas vão chegar nessa altura. eu não ligo, porque quando eu escrevo eu me sinto melhor, eu tiro um peso imenso das mãos, eu me lavo.

tenho medo de me mostrar não, e olha que era só pra lembrar a vocês de que verdade absoluta tem, mas tá faltando. acreditem nas coisas, mas sejam um pouquim céticos, tá bem?

e a gente continua, porque quando se trata de autoconhecimento a gente não para, a gente odeia portos, a gente odeia ancorar.

tenho pra mim que o amor salva

hoje eu saí de casa por uns 20 minutinhos e retornei com uma vergonha e um orgulho, como que um em cada pé.

fui ao supermercado procurar alguma coisa pra matar a velha fome, mas a compra acabou dando mais do que eu tinha no débito. é, vida de futuro jornalista.

saí de lá, bem rochelle, e andei de volta pra casa, querendo um vento no rosto, que esse tempo abafado me negou.
foi então que olhei pro lado, e percebi o portão aberto de um condomínio vizinho onde eu adoraria morar (sozinho). é um dos dois (poucos) que têm piscina por aqui. contemplei pelos segundos que pude.

reparei também, e na verdade foi um belo susto, num casal gay que seguia de mãos dadas. eles iam na direção da maraponga. e da felicidade, espero eu.

fiz um coraçãozinho com as mãos, baixo, na altura da pélvis, só pra mim. foi involuntário. mas simbolizar o coração emana coisas boas, eu acho.

só não sei se o cara que quase perde o controle da moto ao olhar a mesma cena concorda comigo.

sempre achei que a maior dor de ser lgbt nessa cidade é justamente essa: não poder dar a mão à(ao) parceira(o) e sair nas ruas, como qualquer casal comum.

é por isso que eu não acreditei quando aquele ato de coragem passou do meu lado.

é incrível como um simples dar as mãos sempre foi normal a um casal hétero. isso sim, é que é privilégio. nem isso, nem mesmo isso, que é tão pequeno, lgbts puderam fazer ao longo do tempo.

nunca havia visto nenhum dos protagonistas da minha tarde pela vida. mas espero que os dois sintam o abraço que eu quis dar. e que tenham chegado sãos em seus caminhos.

agora, meio que ainda contemplando o que se passou diante dos meus olhos puxados, só sei de duas coisas:

um, eu poderia ter dito isso em duas linhas, mas queria exercitar meu texto, como já disse a Naiana Rodrigues por aqui;

e dois, desejo que o universo me abençoe com momentos de resistência como esse, cada vez mais. inclusive agradeço por ele.


que demos as mãos. mais e mais. qualquer coisa, é só gritar. mas tenho pra mim que o amor salva.

Dandara vive

Dandara não vai voltar. tampouco podemos saber o que vai ser dos 5 assassinos-criminosos-bárbaros-transfóbicos.

mas eu queria "aproveitar" (tenho até medo desse termo), pra lembrar umas coisinhas:

1. não era ELE, não era O TRAVESTI. essa não era a "opção sexual" de Dandara, e sim o modo como ela se enxergava nesse mundo cruel. aliás, é orientação, e não opção. para todo e qualquer fim, trata-se de identidade de gênero, ou seja, é A TRAVESTI DANDARA. era, infelizmente;

2. traveco, trava, bicha... esse ponto aqui eu não vou nem terminar;

3. não foi um crime qualquer, ele foi motivado por transfobia. esse mal matou em 2016, 75 travestis como Dandara. a maioria das mortes envolveram causas crueis, como pedradas e pauladas. chega dói pensar.

4. os números que eu citei no item acima são apenas dados aproximados. por não ser tipificada como crime, a transfobia termina com muitas vítimas nas quais a gente nunca vai ouvir falar;

5. cinco seres totalmente desprendidos de humanidade foram detidos. eles sujaram suas mãos de sangue, e ainda expuseram isso pro mundo, de celular na mão. mas não, espancá-los ou levá-los à pena de morte não vai solucionar os absurdos que nos faz perder tantas travestis todo dia. eu não sei o que vai resolver, só digo o que não vai;

6. entenderam que o ódio mata? sentiram algum sentimento ao ver as cenas? então mudem a postura em relação a essas pessoas, as que ainda estão vivas. mais respeito, mais sensibilidade. quando se é transfóbico, quando se xinga uma travesti na rua, se mata um pouquinho da sua segurança em seguir em frente. que acordemos, pra que programas policiais não tenham mais manchetes como essa pra divulgar.


Dandara vive. a vontade (ainda mais fortalecida) de mudar alguma coisa nessa droga de sociedade também.

tantos eus

hoje não teve "bom dia" aqui em casa, eu acordei sob as pérolas da família tradicional católica brasileira. uma tia minha mora na região metropolitana e adoeceu ontem. como se a saúde na capital fosse lá tanta coisa de diferente ela veio pra cá, chegou antes da novela das oito.

da quinta eu cheguei tarde e cansado, praticamente só jantei e me tranquei no quarto, mal falei com a tia que (pasmem) também é minha madrinha de crisma. daí, meu café da manhã dessa sexta foi a pergunta recheada com quatro pedras da minha mãe: "por que você não pediu a bênção?".

é verdade, eu sou crismado, em algum momento da minha vida e com a cabeça em algum lugar eu confirmei meu batismo no catolicismo. mas há um bom tempo eu percebi que tudo em que eu me torno todo dia tá bem longe de todos esses ideais.

engoli meu café e nada respondi. ela continuou, indagando o que era mais importante de se ouvir do que um "deus te abençoe". não satisfeita ela terminou com essa: "não sei pra que tu estuda!".

eu não aguentei e finalmente provei que não tinha perdido a língua, afinal eu estudo numa universidade e não numa igreja.

é claro que ela ficou "p" da vida, e vomitou um monte de baboseira, daquelas que eu não aguento mais ouvir.

por tudo isso, às vezes, eu me pego chorando porque não sei se minha mãe me ama pelo que eu sou ou pelo que ela espera que eu seja. aliás, anteontem mesmo ela me mandou tirar essa foto com batom do meu perfil.
pouca energia ruim é bobagem
pra jogar mais lenha no fogo do estresse, porque pouca energia ruim é bobagem, uma vizinha que é travesti tá internada em estado grave por causa de uma gripe mal curada. minha mãe, que muitas vezes a tratou de "bicha" e "viado", agora é membro de um grupo no whastApp onde belas senhoras religiosas se preparam para uma roda de oração pela enferma.

reclamei de novo, porque eu sei que as "ave marias" pronunciadas ali não serão verdadeiras, nem vão trazer a saúde dela de volta. quantas delas não já devem estar espalhando por aí que se trata de aids?

gritos, tremores e lágrimas à parte, tem muita coisa que eu espero não sair da cabeça da minha mãe. por exemplo que eu escolhi uma profissão pra ajudar na construção de um mundo mais justo. por exemplo que eu sou professor de redação num projeto voluntário. por exemplo que eu já denunciei uma vizinha porque ela espancava o filho pequeno. e mais: que nada disso eu fiz por reconhecimento dela, mas porque ou eu fazia, ou não dormia à noite (e não, não me disseram pra fazer na igreja).

tem tantos eus que ela não conhece ainda. e nem quer conhecer, por isso temo que acabe sabendo de maneiras chulas. Aí eu choro mais ainda.
é duro demais estar nesse processo de autoconhecimento, de redescoberta do eu, porque você se aproxima de si mas se distancia do que sempre foi, o que te dá um prazer inigualável seguido de uma dor imensa.

é difícil ter orgulho do que o espelho reflete, sem apoio e com pouca ou nenhuma compreensão de quem você mais espera. ainda assim eu acho que tenho.

tristemente ficar com 00

lá vem eu, que transformo até a dor de sair do netflix pra votar, em crônica:

chego com a maior cara de abuso que sei fazer, e entro na fila. eram só duas gêmeas na minha frente. a Yasmin, prima de 10 anos que mora comigo, fez questão de me acompanhar, o que me obrigou a voltar lá pra 2006, quando eu fui por debaixo da saia da minha mãe apertar 13. parece que as crianças são as únicas a terem fé na votação de hoje.

daí na seção ao lado tinha um machista, tinha um machista na seção ao lado. ele tinha seus 50 anos e um dente da frente a menos. aparentava já ter escolhido entre 12 e 22 e demonstrava total... falta do que fazer, ao perguntar sobre a opção dos outros eleitores.

se a Yasmin fosse o Brasil, ele teria olhado pra ela do Oiapoque ao Chuí. meu nojo fez eu passá-la para trás de mim, e logo chegou a vez do meu contato com a urna.

a fiscal olhou umas três vezes pra minha foto de identidade, em seguida rindo pra mim como se dissesse: "é tu mermo?". fez então um sinal para que eu entrasse.

e estava eu, ali, preferindo usar meu dedo pra "limpar o salão" do nariz a ter que teclar qualquer conjunto de dois números. infelizmente tive que fingir acreditar na inesquecível democracia ao estar ali, obrigado. devo ter passado cinco segundos em pé, mas juro que me ocorreram três situações.
eu pensei em votar 50, declarando simbolicamente - mesmo que inutilmente, meu apoio a Freixo. pensei em votar 12, querendo estar morta mas, como fiz em 2014, escolher o quadro menos pior. por fim, pensei (e o fiz) em tristemente ficar com o 00. digo tristemente, porque ninguém sabe o quanto eu queria ter uma camisa, um adesivo, um favorito.

enfim, é como disse meu professor na aula de Teorias da Comunicação dessa semana, "na política, nada se faz com o coração". nunca me senti tão contemplado. e triste.

deus diferente

minha mãe, toda vida que faz boa ação, faz em nome de Deus. hoje ela doou umas roupas pra uma senhora que queria ajudar famílias carentes.

- pode entrar de chinela, mulher.
- não, imagina.
- ó, tá aqui, tem umas calças novinhas, que aqui em casa quando não cabe em uma não cabe em todas (se referindo à minha tia).
- valha, e é?
- olha essas blusinhas, não dá direitinho em suas meninas?
- dá sim, vou levar pra elas mesmo.
- pode levar, tô te dando mas você faz o que quiser.
- ai, obrigada mesmo, viu?
- de nada. agora, tem umas peças aqui que eu num sei se serve pra vocês. são esses shortinhos, mas
vocês são crentes, né?
- vish, não usamos mesmo não.


a senhora levou o que pôde. e o que seu deus, diferente do da minha mãe, permitia usar.

é por essa probabilidade


o filho dela era estudante universitário, justamente de jornalismo, e tinha dito a ela "para de se informar sobre a ocupação por essa mídia, ela não tá mostrando tudo!"

o filho dela havia gritado de raiva lendo comentários do fórum do campus das exatas da faculdade, se achando um otário por reivindicar melhorias, inclusive, pra quem o criminalizara.

o filho dela tinha cansado de ver um golpe com desdobramentos ultra impopulares.

o filho dela não via perspectiva, não sabia do amanhã e temia acordar nesse contexto ainda por muito tempo.

o filho dela estava exausto, tinha andado chorando por aí, carente de bons abraços.

o filho dela perguntara certa vez, a si mesmo, sobre se deus poderia intervir. afinal, só ele mesmo, né?

mãe, eu não sei se as coisas vão melhorar, mas é por essa probabilidade que eu tô lutando.

se um dia um de nós precisar de um médico ou de um professor, eu quero poder encontrar os da melhor qualidade prestando serviço público.

e quero que você se lembre, por favor, de que eu fiz parte dessa luta e de que fiz por você.

só sustos

o bus (finalmente) chega na parada em frente à minha casa, até aqui tudo bem.

porém, eu, agarrado ao fone de ouvido como quem tá chamegando com alguém do lado, estou na melhor parte da música e não sei se pauso ou se continuo no ônibus até terminar.

respeito esse coito interrompido ou não entro em casa agora?

nem um, nem outro, escolhi. não guardei o fone e desci enquanto continuei escutando.

passa uma pessoa estranha por mim, me assusta. "quase morro do coração", pensei.

entro e minha mãe me diz que passaram um trote pra ela. "quase que meu coração sai pela boca", explica.


minha mãe não dorme enquanto eu não chegar e contar que os sustos do dia não passaram de sustos.

tem jeito (?)

o Secretário de Segurança Pública do estado do Ceará, André Costa, declarou em coletiva de imprensa hoje, que os suspeitos pela morte do cabo da PM têm de escolher entre a justiça e o cemitério.

quando ele fala em cemitério, a gente entende que, na verdade, o que tá sendo representado é a naturalização da violência pela violência. podre. agora, quando ele fala de justiça, é que não dá pra se situar bem.

de que justiça ele fala? afinal demoro a crer que ele perpetue o ditado pífio "cadeia ou morte". nem uma das duas resolveria.
o jornal o povo publicou, há dois dias, que a população carcerária cearense cresceu 71,6%. e os números de diminuição da violência, quais são mesmo? pois é, isso em si já prova a fragilidade desse sistema.


e agora, a problemática do crime só tem alternativas nada convincentes. eu queria abrir um livro, dar de cara com a solução, e em seguida ligar pro André e dizer "tem jeito!".