segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Reverso?


Cantava Adriana Calcanhoto, lá pelas tantas de 1992, "a música dos brancos é negra, os dentes dos negros são brancos". O que, de imediato, me lembra o filme "Cadillac Records", um fiasco de bilheteria americano e um baita filme, ao mesmo tempo. Fácil de entender, quem pagaria pra ver nas telonas a formação de uma gravadora que desenvolveu a música negra dos Estados Unidos?
No filme, Beyoncé dá um show como Etta James, e peço que excluam aqui a informação de que sou fã das duas. É realmente uma puta interpretação. Só que a Bey, semana passada, sofreu acusações de estar se apropriando da cultura branca ao aparecer de franja lisa e loira. Aliás, não é a primeira vez que isso acontece, pois como dizia a cantora brasileira, de branco os negros já têm os dentes, e está bom demais.
E então, esse argumento dos loirinhos que se sentiram invadidos não lembra algum outro? A mim sim, o mau e velho "Diz que é comunista mas usa iPhone". É tudo digno de vexame, né não? E não passa de mais do mesmo, ou seja: nós temos as nossas coisas e elas não combinam ou foram feitas pra vocês. É ter ódio de ver um instrumento caro e (por isso) tido como melhor nas mãos de quem, para eles, fez voto de pobreza que nem padre.
Curioso é que esse ódio não se transfere aos padres que gravam discos, vendem milhões, cantam pra multidões e, provavelmente também usam iPhone. Claro, o ódio tem destino de classe e de cor. É exatamente por isso que Cynara Menezes, a socialista morena, recebe diárias críticas por se dedicar a um blog que fica em pé pelo apoio dos leitores. Já explicou a própria jornalista, que deixou pra trás oito anos de Carta Capital, "O que eu faço é jornalismo, socialismo é no que eu acredito!".
A blogueira tem sonhos, e eu também. Um deles é estar vivo quando as pessoas entenderem que pensar antes de falar é bom. Vixe. Será que pedir pra pensar vai ser muito até lá? Saberemos.
Música, cinema, cultura, apropriação, ódio, jornalismo, sonhos e tudo o mais que isso queira dizer.

segunda-feira, 1 de junho de 2015

De porta aberta

Ah, coração teimoso
Que insiste em se dar bem
Onde outrora se dera outrem
Ai, coração que persiste
Em sair do casulo
Tão ingênuo mas tão maduro
Ah, coração que morre
Lentamente só de pensar
Em só, pra sempre ficar
Ai, coração que gosta
De se pintar, de se expor
De se mostrar de toda cor
Argh! Coração que não tem asas
Que já sentiu o bem que faz um ninho
Uma vez deu uma de passarinho
Ai, coração doído
Não quer saber de ser, de estar
Mas da próxima vez que vai amar
Ah, coração que vale nada
Mas que se valesse menos
Tinha de amores uma estrada

Ambiguidade sentimental que é culpa da vontade de se aventurar mais uma vez.

domingo, 5 de abril de 2015

Ex

Acreditava que a amizade poderia, e como, começar como um namoro: "Quer ser meu amigo?". Num pedido a alguém que satisfizesse  por completo suas necessidades intelectuais. Um convite, às vezes no escuro, a quem, mesmo tendo outros mil amigos, estivesse disposto a se abrir para mais mil. Juntos viveriam grandes momentos, compartilhariam boas histórias e lugares, chorariam um a tristeza do outro. Mas principalmente, sorririam o quanto pudessem, seriam dois. Por quanto tempo? Talvez uma semana, quem sabe um ano ou vinte. Um "sim" seria o passaporte para a belíssima parceria. E após aquele tempo de flores, quando a desilusão pulasse a janela, as piadas já não fizessem mais sentidos, e os tempos de "nunca pensei" chegassem, só um fim seria solução. Dar vida nova à relação para quê? Tendo tantas outras batendo na porta, tendo a oportunidade de salvar a pureza ainda pouco existente? Fotos manteriam as boas lembranças, cartas no baú carregariam a letra do ex-amigo.
Acreditar, acreditava, mas nada disso punha em prática.

sexta-feira, 3 de abril de 2015

reduzir NÃO É solucionar

Vocês que se dizem a favor da redução da maioridade penal devem saber em quais argumentos estão embasados, são alguns deles:
1. Há trechos bíblicos sustentando alguns parágrafos do projeto, declarando o caráter arcaico de quem acha que ainda vivemos na idade antiga - já que se referem ao VELHO (velho) [velho] {velho} testamento; 
2. Para os defensores, já que uma criança tem o tirocínio de decidir trocar de sexo, não faz sentido a mesma ser isenta de atos criminais, ou seja, tudo o que o conservadorismo teme vira combustível - como a transfobia, e isso é que não tem nexo;
3. Para quem quer a juventude vendo o sol nascer quadrado, a mídia mostra que a maioria dos crimes atualmente é cometida por menores. Só que essa realidade só eles veem, já que a reproduzem sem nenhum número;
4. Os princípios que norteiam o protótipo são de ódio e aversão aos menores que, eu não sei se vocês sabem, não escolheram essa vida. Um pouco de história nunca matou ninguém. Esse assunto é complexo e não deve ser tratado de maneira diferente;
5. Parece que é prazeroso detestar a galera dos Direitos Humanos, e o "coitadismo" propagado por eles só serve mesmo é para passar a mão na cabeça de "delinquente". Bom, esse quinto item eu nem vou comentar;
6. 92,7% da população é a favor da redução, isso baseado em pesquisas para não se colocar a mão no fogo. E mesmo que fossem verídicas, até parece que o brasileiro é o nativo mais instruído da galáxia;
7. "Isso é porque não foi com você!" não existe. Quanta gente passou pelo que passou e nem assim se viu automaticamente a favor, ou seja, isso não é uma regra, não é universal;

Se quiserem sair um pouco da caverna, e sem panelas de rotas desviadas nas mãos, eis alguns dos meus contra-argumentos:
1. Caso a vitória do anacronismo vença, o ciclo não vai terminar. Não tão distante e os líderes do projeto vão "se dar conta" de que com 14 anos, já se pode muito bem ser castigado como um maior. Isso só escancara que, daqui a alguns aninhos, se o filho chutar a barriga da mãe vai ser punido;
2. O crime NÃO VAI ACABAR, pois esta equação não é diretamente proporcional: reduzindo a idade penal não se reduzirá os índices de violência. Não sou eu quem digo, mas países como Alemanha e Espanha até voltaram atrás na decisão, agora, avalie um país de dimensão e população maiores que esses dois juntos;
3. Hoje, quem tem entre 16 e 18 anos age como um canal da violência nas mãos dos grandes criminosos que fazem uso da lei a seu favor - e jamais o contrário. Se essa medida for implantada, jovens ainda mais novos manterão esse canal. Percebe-se que isso é pior, não é óbvio?;
4. A injustiça é a mãe de todos esses males, e alegar isso não é uma forma de justificar os delitos. Mas existe uma coisa chamada "sonhos", presente em toda a nossa juventude, só que (muitas vezes) roubados pelo preconceito, pela desigualdade, pela fome, pela falta de educação, de qualidade de vida e de oportunidades. Repito que o tema é complexo e exige uma solução que não surge assim, de uma idade pra outra;
5. O crime, pegando carona no último item, serve como saída de emergência para tantos problemas, ele alicia jovens que, muitas vezes só querem ter o que outros têm com tanta facilidade. É claro que isso tá errado, mas se nós não vemos o mundo como esses meninxs veem, se não passamos pelo que eles passam e se, principalmente, deixamos o caos na mão dos engravatados, não é julgando que vamos ajudá-los a enxergar outros caminhos; 
6. É preciso abrir os olhos para ver de quem vem o projeto e para quem ele vai servir. Por favor entendam que o filhinho de mamãe que atropela alguém não vai pagar do mesmo jeito que o batedor de carteira mirim. E essa é a mesma lógica da política anti-drogas, funciona para quem?; 
7. Os apoiadores da ideia acham coerente falar de trocentos casos que envolvem menores, mas falar de quantos deles são vítimas da Polícia Militar despreparada ninguém quer. Existe uma inversão de prioridades ao se discutir certas realidades. E não, para a PM não faz diferença a idade do neguinho no alto do morro;
8. A educação, não menos importante, é um tópico gigante nesse debate. São gerenciamentos incompletos, estruturas precárias, professores mal remunerados em todos os sentidos. É tanto que o estudante de ensino médio se acha bom demais pra virar professor. Não valorizam nada que vem da escola, até para implantar biblioteca é preciso de lei. Não educaram, mas querem enquadrar;
9. Nosso sistema carcerário é um vexame. As cadeias brasileiras estão duplamente superfaturadas - são dois presos para cada vaga, além disso, funcionam como escolas de progredir no crime. Vão estranhar quando os jovens voltarem da formação de monstros pior do que entraram, é dar um tiro no pé e esperar até que a hemorragia seja fatal;

Não quero dizer o que é certo, o que é errado. Nem convencer ninguém (o que não seria mau). Menos ainda ser o advogado do diabo que vocês criaram. Se você tem a sua opinião e ela é "A" ou "B", que ótimo. Mas escrevo para quem não tem e não reflete sobre tal. É preciso discutir! 
Se me mandarem adotar um bandido, vai entrar por um ouvido e sair pelo mesmo, aí eu peço, encarecidamente, que usem o dinheiro do salário da Sheherazade para comprar bons livros e largarem a pobreza da falácia. 

domingo, 18 de janeiro de 2015

"Eu era palavras..."

        Lá pelas tantas da minha primeira década de vida, com meus sete ou oito anos, eu só sabia escrever. Me destacava em redação no colégio, e em casa também. Ainda lembro dos olhos orgulhosos de minha mãe ao receber as avaliações. Eu era palavras.
        Gostava de brincar, embora isso dificilmente ocupasse grande parte do meu tempo. Se me dessem brinquedos de presente, não recusava. Mas nada era mais encantador que ganhar cadernos novos, canetas e mais canetas, folhas dos mais variados tipos e tamanhos - desde que viessem em branco.
        Tinha sim alguns bonecos e carrinhos, e costumava pedir outros à minha mãe. Só que nas minhas mãos, não eram tratados como simples objetos.
        (Dê um herói de trinta centímetros a qualquer criança e conte quantas semanas ele aguentará. Não há homem-aranha, batman ou ranger que não perca um braço até o primeiro mês fora da embalagem)
        Comigo não. Exceto esses que já vêm com suas tramas prontas, eu adorava usá-los como personagens da minha cabeça tão inexperiente. Criar (histórias) e dar vidas era então, mais interessante que um jogo, um ioiô, uma partida mirim de futebol...
        Quando no colégio aprendia uma nova técnica, nas aulas de português e redação que eram as mais esperadas da semana, eu mesclava rapidinho às bobagens que naturalmente já havia inventado. Alguns personagens ainda estão de pé (ou em ótimo estado de conservação - se preferir). Dos impressos, infelizmente me desfiz, sem querer, é claro.
        Hoje, acredito no quão ruim era tudo o que eu produzia. De qualquer forma, qual criança em pleno 2015, trocaria um tablet por papel e caneta?
        "Papel e caneta? Que anacrônico! Isso já era, os tempos são outros..."
        Não concordo nem discordo. Muito pelo contrário. Acho que aplicativos que estimulassem a escrita e a criatividade seriam de um ótimo auxílio. Tô azul de ouvir que essa conectividade toda apenas complementa em alguns hábitos, como o da leitura. Porém, não é o que tá parecendo.
        Vivo com uma prima de oito anos que eu raramente vejo rabiscando alguma coisa, não se tratando de obrigações da escola, o que não conta. E nem seria preciso tê-la em casa para perceber. Semana passada, numa agência da caixa, minha atenção oscilava entre a hora de ter a senha chamada, e o escândalo causado por um loirinho que sequer alcançava a cintura da mãe.
        O motivo não podia ser outro: o baixinho queria o celular, a qualquer preço e grito. Era sim muito esperto para até mesmo dar aulas de interatividade no WhatsApp ou de obter uma boa selfie. Mas, me preocuparia bastante se ele não soubesse ainda soletrar o próprio nome.