quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Eu, Brunna

Bem ou mal. Preto ou branco. Doce ou salgado. A sociedade viciou-se no número dois. Pior ainda, em matéria de julgar as pessoas, só tira dez quem for craque em dualidade, quem arrasar no “ou”. É assim que a gente aprende que para fazer sentido, é preciso estar entre o zero e o um. Como no código de base dois (ou binário), lá da matemática.
A tendência é de sermos uma coisa ou outra, isso ou aquilo, etc ou tal. Os limites são chatos. E há um contexto ainda mais delicado: o da identidade de gênero. Sim, aquele que em nada tem a ver com o sexo designado no nascimento; aquele que em nada tem a ver com ter passado a vida inteira usando azul ou rosa; aquele que raramente vira tema de debates.
Se ainda não deu tempo de perceber que enquadrar as pessoas perpetua um sistema falível, é hora de entender sobre outras possibilidades de ser. Esse blogueiro apresenta-lhes Brunna, alguém que vocês deveriam (na verdade devem) conhecer.
A Brunna tá sempre dando close – no CH da universidade e na vida, e reivindica cada vez mais espaços para simplesmente falar. Aliás, falar só não, mostrar-se. Não por ela achar que deve sair por aí dando explicações sobre na segunda estar de saia e na terça de shortinho, mas por julgar necessário um maior entendimento sobre sua identificação.
Bom, o resto do texto tem edição minha e essência da Brunna. Eu deixo ele e abraços também:


Nem sempre falar de nós mesmos é fácil. Sempre temos coisas que queremos mostrar e outras que queremos deixar só com a gente mesmo. Mas, escrevo esse texto a pedido de um amigo muito querido e por entender que minhas experiências de vida podem refletir de alguma forma na vida de outras pessoas, principalmente as trans não binárias.
Se for pra falar de mim, então vamos começar do começo, certo?

Fui criada na região metropolitana de Fortaleza, em Chorozinho. Antes de me estabilizar na capital morei por alguns meses em Pacajus, Horizonte e um menor período em Itaitinga, todas da região metropolitana também. Estabilizei-me em Fortaleza em 2009 e vim para a capital atrás de reais oportunidades de trabalho, ensino e lazer. Atualmente uma parte da minha família mora em Horizonte e outra ainda reside em Chorozinho.
Ingressei na UFC em 2014, no curso de Biblioteconomia, através das cotas de ações afirmativas. Ao entrar na Universidade já tinha em mente os ideais de liberdade de expressão, de luta por direitos e de real democracia. Mesmo percebendo o escasso debate sobre as pautas de gênero e sexualidade, fi dentro do meio acadêmico que pude me aprofundar nessas questões. Participar do I Encontro LGBT da UFC e do ENUDS, ambos em 2014, me fez dar um up de consciência nesses assuntos e principalmente na questão trans.





Desde 2015.1 uso nome social na UFC e há mais tempo no perfil do Facebook. Quando mudei o nome na rede social, muitas pessoas me perguntavam como eu queria ser chamada e eu sempre tentava explicar a questão da linguagem neutra, da supressão de pronomes e artigos de definição de gênero. As pessoas ainda são muito apegadas aos padrões e vêem a necessidade destes para manter a ordem das coisas.
No meu caso, o gênero é uma quebra de padrão. Acontece que por ter nascido "homem", o esperado é que ao assumir-me trans eu reivindique ser "mulher", contudo, não é isso o que quero.
Homens e mulheres trans lutam diariamente para serem reconhecidos como tal. Mas muitas vezes, devido à genitália e ao gênero dado ao nascerem não conseguem. O ponto das pessoas não binárias é ainda mais complexo: nós não reivindicamos os padrões impostos. Algumas pessoas têm interesse de redesignarem seus corpos à indefinição total do gênero, outras têm preferência pelo feminino, pelo masculino... No meu caso, misturo as coisas, mas no meu tempo e sem cobranças.
Vez por outra minhas colegas de curso, até mesmo minha mãe, me falam o devo fazer. Os palpites sobre onde devo ou não ter pelos e sobre a cor do batom são muitos. Gosto disso, mas fico pensando até que ponto isso traduz uma padronização do que é ser feminino e uma imposição deste sobre mim. Mas sim, tenho preferência pelo feminino, não à toa meu nome é Brunna (o que sempre tenho de ressaltar que é meu nome e não necessariamente um feminino). Também tenho preferência pelos termos femininos por me reconhecer, e reconhecer aos outros, como pessoas (a pessoa/as pessoas). Além disso, vou contra a língua que dá preferência ao masculino. ‘Todos’, por exemplo, não representa ninguém, a meu ver.
No que diz respeito à aceitação, posso dizer que estou caminhando. Na UFC, esse processo foi aos poucos, por questão das pessoas não estarem acostumadas com a nova forma de tratamento. Com os amigos mais próximos houve um pouco de resistência, talvez pelo pouco que se fala sobre isso dentro e fora da Universidade. Com a minha família não está sendo diferente. Minha mãe e alguns irmãos ainda me chamam pelo nome civil, outras pessoas da família, pelo contrário, reclamam e dizem que me chamo Brunna e que é assim que devo ser tratada. 

Eu fico observando: se as pessoas tiverem interesse posso conversar sobre transexualidade, se não fico na minha. Se com uma pessoa eu não tenho mais tanto convívio, pouca diferença vai fazer como ou com que nome ela me trata naquele momento. Porém, se forem pessoas do meu convívio, aí sim, eu me imponho, pois, como é preciso estar no consciente de todas e de todos: "meu corpo, minhas regras".