quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Se é que dá pra resistir

Num dia desses que parecia apenas mais um, não esperava muito. Estava frio, e sentiu um arrepio repentino. Seguido de uma mãozinha no ombro e um "Não está atrasado?". O semblante mudou, era mesmo um trabalho árduo tentar convencer-se de que aquele era só mais um colega de campus. Pior ainda era convencer o outro (ou os outros). E dedicava boa parte do dia a esconder as feições excitadas, a substituí-las por outras mais comuns, que não chamassem tanto a atenção dos amigos, sempre tão atentos as relações alheias. Lembrou que tinha uma resposta pendente:
- Ainda tenho quinze minutos - afirmou sem consultar o relógio. Nem mesmo tinha um. 
- Eu diria que você tem quinze minutos - replicou o outro.
- Ora, faz-se um filho em menos tempo! 
Era apenas o início de mais um diálogo bobo e que não chegaria a lugar nenhum. Mas que, de uma certa forma, aumentaria a vontade incontrolável de dar/pedir/até mesmo roubar um abraço do outro. Percebia então que havia muito tempo não o faziam. Este seria um abraço que se recusaria a sair de sua mente. Ficaria ali, juntinho das melhores recordações de uma vida sem muitas emoções. Era como se as armazenasse em algum lugar, aquele lugar que se refugiava em todas as noites angustiantes. Enfim, o abraço não aconteceu.
Zilhões de coisas passavam por sua cabeça, e tinha a esperança de que uma delas servisse, coubesse no momento. Do turbilhão de pensamentos, saiu:
- Tens aulas de quem hoje? 
- De ninguém. Estamos liberados de uma delas para um seminário da próxima semana, e a outra, você sabe aquele professor que está hospitalizado... então, era dele - criou mais dúvidas o outro
Refletiu sobre o porquê de alguém aparecer na universidade quando não se tem o que fazer por lá. Atribuía a isso o fato de o outro amar aquele lugar. Não era como sua segunda casa, era mesmo a primeira.
- Se fosses um aluno exemplar ficaria em casa preparando o tal seminário, ou lendo o texto que, provavelmente, o enfermo recomendou - atacou conseguindo ser o mais irritante possível. E ao se entregar a um sorriso sem igual, o outro contra-atacou:
- Ha ha ha ha. Você não sabe de nada. Texto? Isso não me pertence mais.
Sentou-se no banco mais próximo à sua sala e esperaria dez, quinze minutos pela primeira aula. Já nem lembrava mais o que estudara, apreciando aquele olhar cativante do outro (que teimava segui-lo). Preocupava-se com a escâncara do sentimento. 
- Vou até a biblioteca me distrair um pouco. Tenha uma boa aula - disse o outro, não pegando no ar o convite desesperado para sentar-se ao seu lado. 
Achava, às vezes, que o outro lhe fugia das mãos, que preferia andar por aí, a procura de nada. Encontrou coragem em algum lugar e, por fim, alertou:
- Obrigado. Me procure ao fim desta aula. Quero te contar uma coisa.
Despediram friamente, como dois conhecidos (até parece que eram mais do que isso). Foi à aula. Não absolveu uma palavra sequer que o professor pronunciara. E durante todo o resto do martírio que era aquela disciplina, permanecera perguntando-se que merda havia feito. Talvez não quisesse outra vida...

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